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“O CHAPARRÃO DE GLÓRIA” OU

“O CASO DO CAMIONISTA ARBORICIDA”

De um chaparro se orgulhava
Glória, a do Ribatejo
chaparrão tricentenário
- uma árvore que botava!-

e à volta da qual dançava
o povo homenageário.

A GLÓRIA DO RIBATEJO NA POESIA DE ALEXANDRE O’NEILL

A GLÓRIA DO RIBATEJO

NA POESIA DE ALEXANDRE O’NEILL

Não digo que ele chegava
em seu poder tutelar
ao carvalho de Guernica
esse carvalho sagrado
à sombra do qual os reis
- contrariados, quem sabe? –
Juravam, por sua fé
respeitar as liberdades
dos Bascos, povo de lei
gente que foi o que foi,
gente que é o que é.

O Chaparrão de Glória
- trezentos anos contados –
nunca quis crescer na História
nunca foi bombardeado
como a árvore de Guernica
pela Condor, legião nazista.
Iria morrer, coitado,
- e isto já se antecipa –
aos golpes de um camionista.
De qualquer modo, o chaparro
de Glória do Ribatejo
era o mais velho da terra
- objecção não prevejo! –.
Como não ia ao Café,
vieram ter com ele, não é?

Este poema foi escrito num dia em que se reuniram na Casa do Povo da Gloria um grupo (cerca de 10/12) escritores e poetas, entre eles Saramago, Jose Cardoso Pires,  Urbano Tavares Rodrigues, Batista Bastos, sobretudo ligados ao movimento neo realista para homenagear Alves Redol nos anos 75/76, e num passeio pela Gloria O Neill encontrou junto ao ribeiro o enorme chaparro tombado e alguém lhe contou a história.

Ora um dia, um camionista
- que eu chamo de Maximínimo –
sentiu no toutiço a crista
de galo de muita briga
e resolveu – que menino! –
à falta de rapariga
(“Espera aí, que eu já te agarro!”)
bater no velho chaparro.

Por que tascas se arrastara
p’ra estar assim tão à rasca?
Camionista que se preze

e transporta anchas cargas
conta tanto com as árvores
como conta com a estrada!

Ao grito: “Democracia
e…portanto mando eu!”
o camião já enfia,
o pobre desse sandeu,
contra o chaparro ancião
e com as vigas de cimento
- a carga que transportava –
tantas vezes lhe batera,
tantas vezes lhe bateu
que o chaparrão derrubava
e em três estúpidos tempos
nos três séculos matava
o aprumo da terra ao céu!

E assim, p’ra vossa memória,
aqui fica a triste história
do Chaparrão da Glória.

P.S. às autoridades
Se encontrarem o camionista,
não receiem, por favor
que ele não é nenhum bombista…
Tirem-lhe a carta e a crista
e tratem-no com rigor.

Alexandre O’Neill, In Poesias Completas, pp.423 - 425 

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